terça-feira, novembro 23, 2010

Saramago

Acordei Saramago! Não na destreza com as palavras, lógico. Mas na identificação principalmente com alguns de seus poemas. E lendo em parte entendi porque gostamos de escrever e lançar nossos pensamentos na tela do computador e mesmo compartilhar com amigos e até estranhos. Na tela em branco podemos ser qualquer personagem. Mas em todos eles há um pouco (ou muito) de nós. Ou quem sabe, como disse sabiamente uma querida amiga, escrever é uma forma de falararmos sozinhos sem parecermos loucos!
Aqui vai o texto e depois um de meus poemas preferidos.

"Escrever é traduzir. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos para um código convencional de signos, a escrita. E deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não tanto a integridade da experiência que nos propusemos transmitir, mas uma sombra, ao menos, do que no fundo do nosso espírito sabemos bem ser intraduzível..."


Poema à boca fechada

 
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

Poema encontrado em: http://www.revista.agulha.nom.br/

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