domingo, dezembro 12, 2010

O Telefonema



Olhava pela janela de seu apartamento a cidade que aos poucos adormecia. A noite era quente, o céu estrelado. Vestia uma calcinha preta e uma regata branca. Ouvia o barulho da televisão ligada, não percebia os diálogos. A TV trazia rajadas de cores a sala escura. A luz apagada.
Esticou a mão para alcançar a carteira de cigarros. Impaciente não localizou o isqueiro. Deteve-se por alguns instantes em sua sala. Suspirando fundo, caminhou até a mesa central e pegou seu isqueiro preto. Acendeu o quinto cigarro da noite, na tentativa frustada de aliviar a ansiedade. Queria poder programar seu cérebro para se auto desligar. Sorriu com esse pensamento.
Voltou-se novamente para as luzes da cidade. Percebeu sua imagem refletida no vidro. Olhou em seus próprios olhos. Não sabia mais quem era. Lágrimas borraram sua visão. Com um rápido piscar de olhos sentiu elas descendo, aquecendo seu rosto.
Olhou o relógio, 2hs da manhã. Lembrou dos compromissos do dia seguinte. Queria fechar os olhos e acordar em outra vida. Não queria viver o dia de amanhã. Não queria ter vivido o dia de hoje.
O telefone tocou tirando ela de seus devaneios. Uma descarga de adrenalina invadiu seu corpo. Sentiu o coração acelerar, quase podia ouvi-lo bater em seu peito. A respiração tornou-se ofegante, suas pupilas dilataram-se. Sentiu as mãos suadas.
_ Oi, atendeu com a voz um pouco trêmula.
_ Oi, acordada?
Instantes de silêncio.
_ Saudade, disse baixinho a voz do outro lado da linha.
Quantas noites ela desejou receber esse telefonema. Ouvir sua voz. A voz que sussurrou amores e malícias em seu ouvido. A voz que imaginou que ouviria pelo resto de seus dias.
Desligou o telefone. Apertando ele com força contra seu peito. Tocou novamente. Não podia mais atender. Não podia mais ouvir sua voz. Eles tão íntimos, agora dois estranhos. A cama quente hoje fria. Dois voltava a ser um.
Quem era ele? Não sabia mais responder. Ele se transformou em tantos dentro dela que agora não sabia mais que parte dele estava ligando. Quem estava com saudade? Não havia ninguém. Apenas fragmentos de um alguém. Quem?
Jogou o telefone no sofá o sentou-se no chão. Acariciou com uma das mãos o tapete macio. Encolheu-se, abraçando as pernas. Chorou sozinha a sua dor. A dor lacinante que rasgava seu peito. Não era mais a perda de um amor. Era a dor do vazio.
A única saudade que sentia era dela mesma.
Adormeceu.
O som do despertador foi aos poucos invadindo seu sonho. Abriu os olhos. Sentou-se na cama sentindo o corpo cansado. Movimentou delicadamente a cabeça e o pescoço. Podia sentir novamente seus músculos. Saindo da cama, olhou-se no espelho. Seus pequenos olhos refletiam sua exaustão. Sorriu. Naquele instante não sabia exatamente o que queria. Mas sabia exatamente o que deveria fazer. Ser ela mesma.

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