domingo, abril 03, 2011

Dói. E agora?




E agora?
Estamos na encruzilhada!
Estarrecidas nos olhando!
Ambas se perguntando...
Até quando?
Não faz sentido o que você me diz.
Sua dor, tão real, tão presente...
A dor que ninguém entende.
Ninguém palpa.
Exame nenhum detecta.
Meu pensamento dispersa.
O que você diz simplesmente não faz sentido...
Você me percebe.
Sente que não valorizo sua dor.
Mas ela é real, para você!
Pego minha caneta.
Já sabemos onde vamos chegar.
Já é tarde...
Queria poder dormir.
Você não consegue dormir.
Não se pode esperar muito de alguém privado de sono.
Lembro que privação de sono era uma forma de tortura.
Penso no dia que está por amanhecer...
Uma breve inquietação...
Espera, será até irritação?
Olho para você...
Você não tem nada!
Grito em silêncio...
Seus cansados olhos me encaram...
Você me fala sem falar, mais um médico que não sabe nada!
Lembro a caneta em minha mão.
Balanço a cabeça.
Prescrevo um analgésico qualquer e um calmante.
Resignada pega a folha de papel.
Me diz, esse remédio não me faz bem.
Sem energia para tentar entender o que já não consigo entender, mudo as letras.
Um sorriso sem graça.
Quando a porta se fecha...
Suspiro... alívio?
Imagino que seria tão mais fácil...
Uma cólica renal!
Meu superego aguçado!
Punindo meus pensamentos!
Abro seu prontuário.
A mesma dor ali estampada.
Interpretada por vários.
Inúmeras consultas, diferentes horários.
Um registro com a hora circulada...
Três horas da manhã.
Um sorriso surge maliciosamente e sem controle.
Alguém para dividir minha culpa.
Penso sobre a dor.
Reviso seu trajeto...
Seus receptores, seus minuciosos caminhos pela medula espinhal...
Tálamo e sua conscientização no córtex cerebral.
Falta algo?
Me sinto cansada...
Lembro de Drummond.
A conexão que faltava.
O sistema límbico disparando frenéticamente.
A emoção misturada.
A somatização da dor.
Será ela negligenciada?
Ou será a dor incurável?
Cronificada, enraizada na alma.
Perpetuada pelo nosso não saber tratar.
Mas eu entendo...
"A noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou.
E tudo fugiu e tudo mofou.
E agora, José?"
Dói. E agora?

Escrevo...
Hipótese diagnóstica: dores do mundo.
Conduta: reticências.

sábado, março 12, 2011

O Menestrel - William Shakespeare

(Assista: http://www.youtube.com/watch?v=vlLh8K6FF8A&feature=related)





Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.
E você aprende que amar não significa apoiar-se.
E que companhia nem sempre significa segurança.
Começa a aprender que beijos não são contratos e que presentes não são promessas.
Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.
Aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.
Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo.
E aprende que, não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam…
E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.
Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.
Descobre que se leva anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la…
E que você pode fazer coisas em um instante das quais se arrependerá pelo resto da vida.
Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.
E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida.
E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.
Aprende que não temos de mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam…
Percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa… por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas; pode ser a última vez que as vejamos.
Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.
Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser.
Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.
Aprende que não importa onde já chegou, mas para onde está indo… mas, se você não sabe para onde está indo, qualquer caminho serve.
Aprende que, ou você controla seus atos, ou eles o controlarão… e que ser flexível não significa ser fraco, ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem, pelo menos, dois lados.
Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências. Aprende que paciência requer muita prática.
Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.
Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou.
Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.
Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens…
Poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.
Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel.
Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém…
Algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo.
Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.
Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.
Aprende que o tempo não é algo que possa voltar.
Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, em vez de esperar que alguém lhe traga flores.
E você aprende que realmente pode suportar… que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!
Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar.

domingo, janeiro 23, 2011

A Medicina Perdida


Uma tarde como outra qualquer.
Um plantão movimentado.
Início da minha vida médica.
O telefone toca, venha até a Emergência!
Agarro meu estetoscópio, coração acelerado.
Sim, o medo, reflexo da minha inexperiência.
Uma senhora em franca insufiência respiratória.
Uma bactéria se alojara confortavelmente em seus pulmões.
Brincando e multiplicando-se no debilitado organismo de quase 80 anos.
Nos olhamos, assustadas.
Coloquei meu estetoscópio em seu peito, que lutava para respirar.
Olhava para o monitor, 76% de saturação de oxigênio.
Eu sabia o que fazer. Saberia como?
Respirei fundo, tentando controlar minha ansiedade.
Precisava de clareza para objetivar minha atitude.
Agora eu era a médica.
A equipe de enfermagem me aguardava.
Os segundos tornaram-se longos, todos olhavam para mim.
Olhei para minhas inexperientes e trêmulas mãos.
Um breve pensamento dizendo 'fuja'.
Eu fiz o meu melhor.
Era grave.
Ela agora respirava com a ajuda de um aparelho.
Precisava de drogas vasoativas para manter seu sangue circulando.
Eu sentada na Emergência, buscando um leito de UTI.
Outros pacientes lá fora, me aguardando.
Os intermináveis segundos, viraram minutos e os minutos em horas.
Minha paciente 'parou'!
Meus olhos se depararam pela primeira vez como médica com a ousada linha reta na monitor cardíaco.
Ela me olhava, quase rindo, dizendo, prazer sou a assistolia!
Protocolos, drogas, aulas de faculdade passavam como um turbilhão em minha cabeça.
Vencemos ela, quatro vezes.
Mas não na quinta...
Silêncio.
A morte abraçou minha paciente.
Levou uma esposa, uma mãe, uma avó.
Levou uma amiga, estórias vividas.
Eu perdi minha primeira paciente.
Olhei para o chão, devastada.
Eu fiz o que eu pudia. Fiz o que eu sabia.
Outro teria feito melhor?
Olhei para o relógio na parede. Teria ainda mais 3 horas de plantão.
Conseguiria?
Teria de dar a notícia mais difícil da minha vida.
Um filho e uma filha, a mãe faleceu.
Choramos, os três.
Quem foi mesmo que disse que médico não pode chorar?
E foi nesse mesmo dia que entendi a medicina perdida.
Pacientes, impacientes me esperando!
Reclamações na recepção. Ameaças infundadas que seriam feitas a direção.
Estava dormindo? Alguém me perguntou.
Uma pessoa morreu, queria gritar!
Resignada, fui atropelada por grosserias!
Resfriados, dores de barriga, dores de cabeça, um pedido de receita!
A relação médico-paciente foi pro ralo.
Suas bases, a empatia e o respeito viraram uma utopia.
Seria assim a medicina?
Já em casa chorei.
Chorei pela vida perdida em minhas mãos.
Chorei pelo lado cruel do ser humano.
A intolerância, a incompreensão.
Teria a indiferença tomado conta de nós?
E eu que sempre fui contra chamar pacientes de clientes, a medicina como um banalizado serviço prestado!
Não! Ser médico é muito mais que isso!
É olhar no olho! É segurar na mão.
Auscultar e escutar um coração.
Uma palavra de conforto.
O alívio da dor.
Simplesmente estar junto, mesmo em silêncio.
Pacientes não são uma discussão de caso clínico.
O que aconteceu com as relações humanas?
Se pudessemos resgatar, essa é a essência da medicina.
Os hospitais superlotados, a extenuante jornada de trabalho...
Talvez, só talvez... ficasse um pouco mais fácil.
Parece tão simples.
Afinal, depende de nós, médicos e pacientes.

Ou serei ainda uma jovem médica sonhadora?

domingo, janeiro 16, 2011

Rio de Janeiro, a Avalanche



Não tem como ficar aqui no Sul do Brasil fingindo que nada está acontecendo.
Invadidos por todos os meios de comunicação pela alarmante situação que vive a região serrana do Rio de Janeiro. A maior tragédia climática da história do nosso país, li em alguma reportagem.
Climática? A Natureza tem tanta culpa assim?
Chuva abundante, secas trazendo incêndios, terremotos, vulcões em erupção... afinal, a Natureza não funciona assim? De quem é então, a culpa?
Vejo duas respostas concretas. A primeira é que a cena se repete. Muda o cenário, mudam os personagens.  A segunda é que não podemos controlar o incontrolável. Chuva em excesso no RJ. Já o RS sofre com a alarmante seca. Vocês conhecem Bagé? Por lá, a chuva seria mais que bem-vinda!
Hoje, eu chamo a situação vivida no RJ a Avalanche.
Avalanche de chuva que começa serena, alívia o calor. Alivía a sede. Mas ela não pára! Sobe o nível da água dos rios e numa velocidade incalculável invade tudo que está em seu caminho. Arrasta automóveis, arranca árvores, arrasta pessoas. De onde a água tirou tanta força?
Avalanche de lama que destrói casas, soterra pessoas e suas vidas. Soterra certidões de nascimento, fotos de casamento, cartas de amor. A boneca preferida, os remédios necessários, a sapatilha do ballet, a última compra do supermercado.
Destrói geladeiras parceladas, ainda não pagas. Os presentes recebidos no último Natal.
Avalanche de vidas perdidas... 611? Até agora, um número estimado. A avalanche não tem piedade! Crianças, adultos, idosos! Famílias inteiras, ás vezes poupa um... aquele resto de um destruído que compartilha suas lágrimas de desespero conosco. Com uma foto rasgada, amassada, suja de seu bebê, soterrado pela avalanche.
Avalanche de descaso. A repetição da tragédia. Os morros desmoronados. Cidades inundadas. Políticos sobrevoando com seus helicópteros a miséria. O que efetivamente foi feito depois da última tragédia? Promessas vazias, dinheiro emergencial, tropas do exército enviadas, palavras de conforto em entrevistas. É isso?
Avalanche de desespero. Lojas saqueadas, policiamento reforçado. Pessoas vivendo sob o que restou de suas casas com medo de roubo. Pessoas cercadas de água em busca de água potável. Pacientes graves internados em hospitais alagados. Vidas construídas e destruídas, e agora?
Avalanche de podridão. Esgotos transbordados, lixo, ratos. Corpos já em putrefação.
Avalanche de solidariedade. Ainda bem que sempre há o contraponto.
Ouvi um especialista falando (infelizmente não gravei seu nome) que pensamos que os rios invadem nossos jardins, mas esquecemos que construímos nossas casas no jardim dos rios. Alguma coisa então está errada. A Natureza não é tão furiosa assim.
Enquanto isso no Haiti que há um ano atrás foi devastado por um terremoto, com mais de 200.000 mortos, uma epidemia de cólera castiga o já castigado país, deixando mais de 3.700 mortos. Estamos indo para o mesmo caminho?
Agora é o momento de repensar e fazer um planejamento efetivo. Do contrário, logo aí vem o Carnaval e ano que vem assistiremos incrédulos com lágrimas nos olhos a mesma estória. Será uma estória sem fim?

A Estória em Imagens
(Não sei a autoria de todas as fotos, se alguém souber... envie!)




Teresópolis. Foto: Fábio Motta
 
Teresópolis. Foto: Bruno Domingues

Teresópolis. Foto: Fábio Motta

 
RJ Jan/2011. Foto: ?
 
Nova Friburgo. Foto: Marcos de Paula

Nova Friburgo. Foto: Antônio Lacerda
Nova Friburgo. Foto: Pedro Kirilus
Nova Friburgo. Foto: Felipe Dana
Teresópolis. Foto: Roberto Ferreira
Teresópolis. Foto: Bruno Domingues
Teresópolis. Foto: Felipe Dana
Dilma e o governador Sérgio Cabral. Foto: Roberto Stuckert Filho
Teresópolis. Foto: Ana Carolina Fernandes
Abrigo em Teresópolis. Força Brasil! Foto: Antonio Lacerda
Teresópolis. Foto: Ana Carolina Fernandes
Teresópolis. Foto: Felipe Dona
Teresópolis. Foto: Bruno Domingos

Resgate. Foto: Vanderlei Almeida
Teresópolis. Foto: Bruno Domingos
Teresópolis. Foto: Wilton Jr






quarta-feira, janeiro 12, 2011

Elizabeth Bishop


A primeira vez que ouvi falar de Elizabeth Bishop foi assistindo um filme bonitinho, mas não emocionante. O filme? Em Seu Lugar (In Her Shoes, EUA, 2005). Maggie (Cameron Diaz) recita de forma atrapalhada um dos mais lindos poemas escritos por Bishop. E sem dúvida, a cena mais tocante do filme.

Apaixonada por poesia e amparada pelo vasto universo oferecido pela Internet, saí a procura! Queria conhecer melhor essa desconhecida (para mim) escritora.

Li vários de seus poemas e um pouco sobre sua curiosa biografia. Elizabeth Bishop nasceu em 1911 e foi considerada uma das maiores poetas americanas do século XX. Órfã de pai e mãe, que sofria de alguma doença mental, viveu uma vida recheada de perdas, culminando com a perda de Lota de Macedo Soares, uma brasileira com quem viveu uma intensa estória de amor, nos quinze anos que morou aqui. Sim, no Brasil. O desfecho? O suícido de Lota.

Essa famosa estória de amor estará nos cinemas! Uma produção de Luiz Carlos Barreto com Glória Pires como protagonista. O título mais adequado impossível: 'A Arte de Perder'.

Estava refletindo... será que conhecemos mais uma pessoa por meio de sua biografia ou por seus poemas? Como gostaríamos de ser lembrados? Quem era Elizabeth? O mais curioso... dizem que Bishop queria ser médica, mas abandonou a idéia e resolveu se dedicar a poesia.

Aqui vai o poema. Enjoy!

One Art

(Elizabeth Bishop)
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day.
Accept the fluster of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant to travel.
None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look!
my last, or next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

- Even losing you (the joking voice, a gesture I love)
I shan't have lied.
It's evidentthe art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

Uma Arte
Tradução de Horácio Costa

A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.
Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias ir.
Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.
Perdi duas cidades, eram deliciosas.
E, pior, alguns reinos que tive, dois rios, um continente.
Sinto sua falta, nenhum desastre.

- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente amado),
Mentir não posso.
É evidente: a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda – escreva tudo! – lembre desastre

domingo, janeiro 09, 2011

Ela, a Bendita Felicidade

'Ninguém pode me obrigar a ser feliz a sua maneira'. - I. Kant


Não sei quem é o autor da foto.

A felicidade me intriga!
Uma vida em tua busca.
Onde estás escondida?
Você mora aqui dentro ou aí fora?
Tantos livros escritos!
Páginas guiando teu encontro.
Devoradas por milhares de leitores.
Seremos assim tão infelizes?
E eles, os escritores, onde te acharam?
Será uma dádiva, um código genético melhorado?
Ou um bando de atrapalhados?
Ei, alguém realmente já te decifrou?
Não entendo, quem é você?
Um desejo saciado? Uma enorme alegria?
Não estão te confundindo, isso não seria mania?
Mas pense! Você é cega?
Já parou para olhar o nosso mundo?
Então, mal te vejo, onde está você?
Você é histérica? É eufórica?
Me fala! Quem é você?!
Você me escuta?
Ou és tão privada de sentidos?
Ah, felicidade, sua tirana!
Nos impuseram te dominar como um padrão social!
Do contrário somos estranhos, pessimistas.
Perdidos, questionando, o que há de errado conosco afinal?
Comprimidos de vários tamanhos, formatos e cores invadindo nossa rotina.
Nessa busca frenética pela adequação.
Serão mesmo os outros tão felizes?
Acho que Goethe estava certo quando dizia:
'Nada é mais difícil de suportar do que uma sucessão de belos dias.'
E agora Felicidade, explica!
Aprendemos palavras estranhas, incorporadas em nossas vidas.
Será a serotonina?
Não, aumente a noradrenalina, ou será uma questão de conformação cerebral?
Só um pouco, não seria isso o normal?
E tudo ainda se complica!
Fizeste um pacto com a tal paz interior!
Por favor, alguém explica que diabo isso significa!
Te acho tão megalomaníaca que queres ser plena!
Nos poupe dessa utopia!
Vamos ser realistas!
A infelicidade também é nossa amiga.
Quero meu direito a melancolia. Com ela me expresso!
Quero viver serena meus dias de tristeza, eles me pertencem.
Quero chorar sem estar escondida.
Quero experimentar a dor.
Quero reinventar a solidão!
Nem me venha com esse papo! Nem tudo é depressão!
Entao, felicidade, eu te digo
Se és isso tudo que dizem.
Não te quero ao meu lado.
A felicidade que conheço, não tem escalas, não tem padrão.
Me agarro a essa estranha que hoje não tem mais nome.
Mas permite que eu apenas seja, sem ressalvas.
Não precisa definição.
Não quero essa felicidade clandestina.
E te afirmo, sem receio, o que vale nessa vida é simplesmente sentir-se bem. Ponto final.

E você aí me lendo, és MESMO tão feliz assim?

segunda-feira, janeiro 03, 2011

Minha Paciente


Sábado a noite, plantão, Natal, tumulto.
Quando cheguei você já estava lá. Aguardava exames.
Temos a mesma idade. Teríamos os mesmos sonhos?
Sorri, você retribuiu meu sorriso.
Pareceria tão serena, não fosse o enorme esforço respiratório.
Cada insipiração parecia uma batalha.
Pele pálida, boca seca.
Oxigênio a ajudava a respirar.
Quando te vi eu sabia o que estava errado.
Um êmbolo insignificante obstruira um vaso sanguíneo de seu pulmão.
Aguardaríamos os exames.
Nos gostamos naquele instante. Essa estranha identificação.
Poderíamos ter nos conhecido em outra ocasião.
Poderíamos ter sido amigas.
Mas a vida nos aproximou naquela noite.
O câncer de mama lhe consumia. Invadira seus ossos.
A quimioterapia causou uma aplasia em sua medula.
Não produzia mais as células sanguineas da forma necessária.
Queria ter conversado mais. Porém outros pacientes me aguardavam.
Cada pessoa é tão vasta. Cada vida é tão rica, da sua maneira.
A sua estava acabando e isso nós duas sabíamos.
Será que temos uma percepção diferente do tempo quando sabemos que ele está chegando ao fim?
Os exames chegaram.
Eu estava certa. Queria estar errada.
O que há de tão especial em acertar um diagnóstico afinal?
Onde está a poesia da medicina?
Você precisava de anticoagulantes. E suas plaquetas estavam tão baixas...
Fiquei por alguns minutos olhando aquele pedaço de papel.
A sala antes barulhenta tornou-se silenciosa para mim.
Ouvia apenas minha respiração e meus pensamentos.
Eu tinha sua vida em minhas mãos.
Dar a medicação e tratar a embolia, correndo o risco de sangramento que suas mínimas plaquetas não conseguiriam controlar.
Não dar e, impotente, observar o curso natural de sua doença.
Lembrei de outra paciente, mais jovem que nós a quem fui fazer uma visita pré-operatória.
Sentada em uma poltrona desconfortável em uma enfermaria com mais quatro pacientes.
Vestia uma camisola amarela, um sorriso cativante.
Invadida por um agressivo tumor de tireóide já disseminado.
A morte ali, sentada ao seu lado.
A mãe aflita, agarrada a esperança de que a quimioterapia a salvaria.
Quantas vidas destruídas.
Eu vou ficar bem, não vou?
Qual a resposta certa?
Qual meu papel como médica?
Paliativo de sofrimento?
O que fazer quando não há cura e a morte de uma jovem é o inevitável?
Queria poder arrancar esses tumores e lhes devolver a vida!
Voltei com o resultado dos exames.
Lágrimas nos olhos, você achava que era apenas a anemia.
É grave?
Não precisava do meu sim.
Meus olhos te diziam a resposta.
Os seus me falavam o seu sofrimento.
O dia amanheceu, o plantão acabou.
Eu fui embora, você ficou.
Um mesmo lugar. Duas jovens mulheres. Uma escolha, uma fatalidade.
Eu quis ser médica.
Você não quis um câncer de mama.
Quem pode explicar os propósitos da vida?
Curioso. Tantas pessoas passam e poucas ficam.
Você, ficou.
Ficou e questiona a medicina em mim.
Posso simplesmente tirar meu jaleco, guardar o estetoscópio e seguir?
Não, você me mudou de alguma forma.
E quando penso, uma escolha...
Eu sabia que não seria fácil. Não imaginava que as vezes ficaria tão difícil assim.

Espero que você esteja bem, seja lá o que isso significa.